Esperança no Futuro
É muito difícil, mas necessário, expressar o que vi e vejo bem de perto, aqui na EDISCA, na convivência com crianças e adolescentes que vivem em circunstância de pobreza. O cenário de violação de direitos básicos interfere no pleno desenvolvimento dessas crianças e na construção de uma visão de futuro com dignidade e esperança. Como já sabemos, não é fácil ser negro e pobre neste país.
Felizmente, a história do Anderson é um case digno de registro que se justifica pela exceção que representa num universo de desigualdades. Conheci o Anderson quando ele tinha 14 anos. O ingresso dele e de outros adolescentes do bairro Bom Jardim na EDISCA se deu em uma audição especial (devido à idade) para o grupo de teatro que estava em formação. Garoto simples, sorriso marcante e muita disposição para dar certo na vida, soube aproveitar e potencializar todas as oportunidades, superando expectativas também na dança e disseminando esperança entre educandos e educadores.
A bolsa de estudos que ele conquistou em uma escola de dança na Holanda fez parte de um projeto de vida dedicado a arte, que, aliado ao curso de inglês do IBEU-CE, escola parceira da EDISCA, viabilizaram o direito de “vencer” na vida. Atualmente, ele também atua em um Projeto Social na África, o que nos enche de orgulho! Hoje, está aqui conosco compartilhando o conhecimento e as experiências adquiridas. Durante toda essa semana facilitará uma oficina de dança para os nossos educandos.
Destaco o privilégio e a satisfação de testemunhar os desafios e as conquistas vividas pelo Anderson. A trajetória e o sucesso dele são um estímulo e um alento para nós educadores que, muitas vezes, diante de tantos desafios, suspeitamos da nossa capacidade de mudar as coisas. Histórias como a dele, que espero um dia virem regra neste país, nos dão o direito de ter esperança no futuro.
Madeline Abreu
Psicóloga – EDISCA
Danielle Monteiro
Estou aqui radiante com as palavras direcionadas ao meu querido amigo Anderson Carvalho. Graças a Deus – e à Edisca – eu tive a oportunidade de conviver e de crescer ao lado desse artista maravilhoso. E tenho muito orgulho disso. Convivi com o Anderson muito mais no teatro do que na dança. Mas ainda assim pude testemunhar o bailarino incrível que ele é. No teatro, passamos por muita coisa e, refletindo um pouco sobre o texto, vi como a pressão por ser negro nesse país pode influenciar sim os nossos destinos.
Acredito que o preconceito racial é um problema seriíssimo, mas acho ainda mais sério quando essa discriminação não vem do outro, e sim de você mesmo. E isso, claro, só é reflexo do que se passa dentro do seio familiar. Pois bem, no teatro da Edisca também conheci outra criatura tão original e espetacular quanto o Anderson, a Raquel. E, se assim posso dizer, longe de falsos termos politicamente corretos, ainda mais negra do que o Anderson. Entre nós, a Raquel era aceita, aplaudida e muito bem quista. Assim como o Anderson, ela também tinha um sorriso lindo, escancarado e contagiante. Lembro-me de um dia, detrás da coxia, após o almoço, ver uma Raquel que eu nunca tinha visto. Triste e pra baixo. Perguntei o que havia e aos poucos ela me contou que estava apaixonada por um menino lindo, um “negão” como disse ela e, pra mim, aquela tristeza toda não fazia sentido. Porque se apaixonar sempre fez bem, a quem quer que fosse. Enfim, a Raquel me contara que na noite anterior apresentou o tal garoto aos pais e à avó, que morava com ela. Quando ele foi embora, a avó a puxou de lado e disse: – Filha, ele parece um bom moço. Mas você não poderia escolher um moço um pouquinho mais claro, pra melhorar a raça da gente aqui em casa, não?
Nunca vou me esquecer dessa fala e o quão cruel ela é. Aquilo doeu em mim, mesmo não sendo (oficialmente) negra. A sorte é que a Raquel era uma Edisquiana. Contava com o apoio psicológico que a ONG oferece e todo o resto que a arte proporciona. Ainda convivendo com o preconceito dentro de casa ela se orgulhava de ser negra. E eu, de ser amiga de uma negra, que tem orgulho da própria raça. Anos depois eu me pergunto: será que a avó dela foi tão algoz assim? Ou será ela também uma vítima? Vítima de tempos em que ser negro representava dificuldades ainda maiores do que as atuais? Vítima de um país que demorou (mas começou) a reconhecer a dívida que tinha com esse povo? Uma vítima que talvez só quisesse que a neta não sofresse tanto quanto ela. A resposta certa, eu nunca vou saber. O que eu sei é que a Edisca fez a diferença na vida do Anderson, na vida da Raquel, na minha e na de tantos outros alunos que passaram por lá. E é por tudo isso que eu acredito que essa ONG deva funcionar por muitos e muitos anos. Porque, afinal, é disso que a gente precisa hoje em dia: de gente que faz a diferença!